Jornal chama Hulk de 'super-herói de verdade'
A atividade, na
pré-escola, era sobre folclore brasileiro. Aos alunos, crianças de
cinco e seis anos, foi pedido um desenho que simbolizasse o tema. Ao
corrigi-los, a professora se deparou com um saci-pererê com uma bola ao
lado. Chamou o autor e disse-lhe que seria impossível o saci jogar
futebol. "Ah, ele joga com uma perna só", foi a resposta, de
bate-pronto.
A passagem
aconteceu na Escola Estadual de Ensino Fundamental Antonio Vicente, no
humilde bairro de José Pinheiro, em Campina Grande. O desenhista, um
garoto troncudinho de fala mansa, jeito calmo, gestos firmes. Seu nome:
Givanildo Vieira de Souza.
Vinte anos depois, aquele menino que recorreu ao saci para expressar sua
paixão pelo futebol tornou-se um dos jogadores mais importantes da
seleção de Felipão, é supervalorizado na Europa e começa a vencer a
resistência do torcedor brasileiro.
Torcedor que implicava com ele por causa de seu apelido, incomum no
futebol, por sua origem nordestina e, convenhamos, também por algumas
caneladas.
Hoje, Givanildo é campeão da Copa das Confederações e virou Hulk -
aliás, já virara à época em que imaginou o saci-pererê jogando bola.
"Foi meu pai quem colocou quando eu tinha três anos.
Ficava em
frente à TV imitando o Incrível Hulk (o super-herói da ficção), falava
que tinha força", explica o atacante. "Se me chamam de Givanildo, até
estranho.’’
Único homem dos sete filhos do casal Djovan e Maria do Socorro, desde
bebê Hulk ele era "fortinho". Para a mãe, isso se deve ao fato de ela
tê-lo amamentado até os três anos. Gostava de brincar de esconde-esconde
e, claro, de jogar bola.
"Era uma criança dócil, tranquila. Não brigava com os outros", lembra
Delvita de Souza Maranhão, professora responsável pela alfabetização de
Hulk, e também a da história do saci. "Era estudioso, mas não podia ver
uma bola que saía correndo atrás.’’
CONTRARIEDADE
De uma coisa, no entanto, Hulk não gostava: ajudar os pais na barraca de
carne que era o ganha-pão da família, numa feira da cidade. Era falar
em ir para a feira e Hulk ficava carrancudo. Acabava indo, mesmo porque o
pai, que perdeu as contas de quantas bolas comprou para o filho, só o
deixava jogar futebol se ele ajudasse na lida.
E Hulk foi crescendo. Com dez anos, começou a jogar numa escolinha em
que um amigo de seu pai era técnico. Não podia pagar, mas José Antonio
da Costa, o Mano, viu nele um garoto talentoso e resolveu dar-lhe uma
chance. "Decidi apostar, mesmo correndo risco de ter problemas com o
dono da escolinha."
Assim, Hulk cruzou com o primeiro Mano de sua vida no futebol.
O outro
apareceria 14 anos depois. Foi Mano Menezes, que a partir de 2010
começou a lhe dar oportunidades mais assíduas na seleção - havia
disputado dois amistosos sob o comando de Dunga, o primeiro a
convocá-lo, em 2009.
De Mano a Mano, porém, muita coisa aconteceu na vida de Hulk. Da
escolinha, tentou a sorte em times da Paraíba e com 14 anos teve sua
primeira aventura fora do País: passou um tempo na base do Vilanovense,
desconhecido clube de Portugal.
Pelo sonho, precisou dar um tempo nos estudos. "Givanildo era bom aluno,
muito esforçado, mas o negócio dele era a bola. Tinha de viajar", conta
Cláudia Freire Barbosa, que deu aulas de Matemática, Ciências e Ensino
Religioso para Hulk na 4.ª quarta série no João Vicente.
Em Portugal, porém, Hulk não ficou. Foi parar no São Paulo, indicado por
Zé do Egito, um empresário que o apoiou e de quem o jogador é amigo até
hoje. O atacante passou quase todo o ano de 2002 na base do Tricolor,
mas Zé do Egito alega que não recebeu o combinado e por isso levou-o de
volta para a Paraíba.
O passo
seguinte de Hulk foram as categorias de base do Vitória baiano. Em 2005,
fez dois jogos pelo time profissional. Foi quando apareceu a
oportunidade de ganhar o mundo.
Primeiro foi o Japão. Lá, jogou no Frontale, no Sapporo e no Tokyo
Verdy. Em 2008, a volta a Portugal. O Porto pagou 6 milhões para
levá-lo. Em pouco tempo, Hulk começava a ficar conhecido. Fez gols (78
em 173 jogos pelo time português), ganhou títulos e começou a ganhar
dinheiro para valer.
Veio a seleção, primeiro com Dunga, depois com Mano Menezes, a Olimpíada
de Londres e a contestação da torcida.
Em território nacional, Hulk só não era vaiado quando jogava pela
seleção do Nordeste. Mas nunca reclamou de discriminação. "O torcedor
critica porque é exigente. É natural, mas não vou me abalar", dizia.
EM ALTA Na Europa, o prestígio só subia.
O Zenit, da
Rússia, pagou 60 milhões para tirá-lo do Porto, a mesma quantia que o
Monaco oferece agora por seu futebol, que mistura força e aplicação
tática. Hulk ajuda a fechar espaços quando o time é atacado, chega a
cobrir o lateral, colabora na construção de jogadas e procura se
aproveitar do chute forte com a perna esquerda para fazer gols - embora
na Copa das Confederações sua perna estivesse descalibrada.
Mas o que interessa a ele é que, na competição, alcançou duas metas: foi
campeão pela seleção e passou a ser mais aceito pela torcida, que,
agora, o conhece melhor. "Cumprimos o nosso dever e eu, o meu objetivo",
disse após o jogo com a Espanha, quando foi aplaudido com entusiasmo no
Maracanã, mesmo local onde fora vaiado 28 dias antes, num amistoso com a
Inglaterra.
As vaias e os
aplausos, no entanto, não mudam Hulk. Ele continua dócil, tranquilo e
apegado à família. "É um garoto especial", resume a mãe. E, como o
super-herói da ficção, parece que nada é capaz de derrubá-lo, embora os
amigos contem que ele ficou abalado com o sequestro da irmã Angélica em
2012, que teve final rápido e feliz.
Casado com Iran e pai de Ian e Tiago, cujos nomes traz tatuados no
corpo, Hulk não dispensa uma boa festa junina. É talvez sua maior
diversão. Também adora churrasco, embora jamais recuse um bom arroz com
feijão.
Longe de casa a maior parte do tempo, sempre que pode volta ao lugares
onde passou a infância em Campina Grande. Como a João Pinheiro, onde
esteve no ano passado e reencontrou a professora Delvita, hoje
aposentada e que, chamada à escola, foi recebida com emoção e choro por
Hulk. "Ele me deu um abraço inesquecível. Continua simples, grato, ao
contrário de outros que estão na mídia", diz Delvita. "Eu o alfabetizei e
sei que ele jamais vai esquecer disso."
Estadão
Nenhum comentário: