Apenado do Serrotão passa tempo compondo...
UM SONHO DE LIBERDADE: apenado do Serrotão passa tempo compondo músicas e pretende gravar CD
A vida dentro
do presídio brasileiro é um inferno. O sistema prisional do país
enfrenta sérios problemas como superlotação, disputa por poder entre
facções rivais e corrupção. Como consequência desse despreparo, o país
assiste a rebeliões, tentativas de fugas e assassinatos. Quem entra
pelas portas de uma penitenciária brasileira para cumprir pena, já sabe
com o que vai se deparar. O presídio, em alguns casos, vira escritório
do crime, o que torna a ressocialização e a reintegração do preso a
sociedade um desafio.
Na Penitenciária Regional de Campina Grande Raymundo Asfora, conhecida
como Presídio Serrotão, um apenado usa a música para fugir da dura realidade.
O lápis e o
papel são instrumentos que lhe permite sonhar alto e se vê fora da
prisão. Entre a escuridão das celas, a música surge como uma luz e
esperança de tempos novos. Dermival Cordeiro da Silva, 46 anos, natural
de Irecê, na Bahia, chegou ao presídio com 26 anos. Já são 20 anos de
sua vida atrás das grades. No próximo mês de setembro ele estará
completando exatas duas décadas que cumpre pena na unidade prisional.
Condenado pelo artigo 180 do Código Penal Brasileiro (receptação), ele
lembra muito bem do primeiro dia que chegou na penitenciária para
cumprir uma pena de 26 anos. Desde então, passou a alimentar um sonho de
liberdade. O desejo de sair do presídio e ser reintegrado à sociedade
move o baiano durante todo esse tempo.
Diferente de muitos apenados, ele quer sair pela porta
da frente, por onde entrou há quase duas décadas. Com alma poética,
Dermival Cordeiro conhece bem o mundo do Serrotão.
Atualmente responsável pela Biblioteca do Presídio, ele já viu muita
coisa dentro das celas. Rebeliões, fugas, mudanças de diretores,
apreensões de armas e drogas, operações e mortes. A penitenciária está
alojando atualmente 698 detentos em nove pavilhões, praticamente o dobro
de sua capacidade total, que é de 350. Já teve até 900 presos se
espremendo nas celas.
A dura rotina do presídio, o convívio com os diversos detentos não
afetaram a alma poética de Dermival. Quando não está na biblioteca
cuidando dos livros e lendo, ele está compondo. Tido como um preso de
bom comportamento, ele ganhou a confiança dos agentes e da direção e,
com orgulho, cuida da biblioteca.
A música é o
instrumento que o transporta para fora dos muros do presídio. Ele sonha
alto. Desde o dia em que começou a cumprir sua pena, decidiu gastar
parte do tempo compondo. Fazer música virou uma mania, um hábito que lhe
move rumo ao sonho de liberdade. A inspiração vem do ambiente onde ele
se encontra preso. A paisagem verde que cerca os muros do Serrotão, o
pôr do sol que de lá se avista, deram vida a imaginação do artista. “Eu
passo parte do meu tempo compondo”, relata.
A vida de Dermival bem que poderia virar roteiro de filme. Dentro da
penitenciária ele se apaixonou por uma detenta do presídio feminino com
quem mantém um relacionamento há anos. A “musa”, cujo nome não foi
revelado, também serviu de inspiração e povoou o mundo do compositor
baiano. Em 20 anos de presídio, ele já compôs mais de 220 músicas, dos
mais variados estilos. MPB, Pop, Rock, forró e música gospel fazem parte
do universo musical do artista desconhecido. Terminar de cumprir a sua
pena e ganhar a liberdade não é o único sonho de Dermival.
Ele também pensa em transformar a sua obra em um CD.
Ver suas
canções sendo interpretadas por artistas populares é outro desejo. Além
de compor, Dermival Cordeiro também canta. A voz grave, a presença de
palco, são requisitos que no futuro podem lhe tornar um artista
completo. Aliás, o palco não é estranho para o detento. Recentemente ele
saiu do presídio para se apresentar no Teatro Municipal Severino
Cabral, dentro da Mostra de Música do Festival de Inverno da cidade.
Também se apresentou na inauguração do Campus Avançado com mais três
detentos e arrancou aplausos.
Na última semana, por ocasião da inauguração do Campus Avançado do
Serrotão, instalado pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), ele
teve a oportunidade de se aproximar do reitor Rangel Junior e lhe
mostrar o caderno com todas as suas composições.
As letras
falando sobre temas como amor, liberdade e perdão deixaram o reitor
encantado. O professor, que também é músico e compositor, prometeu
analisar com carinho todo o material e elogiou o talento de Dermival.
Com sensibilidade poética, Rangel Junior não teve dúvida de que Dermival
Cordeiro é um talento que usa a música como instrumento para transpor
os muros do presídio e alimentar o sonho de liberdade, a forma de ele
expressar seus sentimentos. Nas mãos de um produtor, a música do detento
poderia fazer sucesso e ele ganhar o estrelato.
O diretor do
presídio Serrotão, Manoel Eudes Osório, também elogiou a perseverança de
Dermival em usar a música como refúgio. Para ele, a arte é uma ação que
pode ser transformada em um importante instrumento de ressocialização e
de humanização dos apenados. Como Dermival Cordeiro, outros detentos
também veem nas artes um caminho para a ressocialização. Em um mundo
hostil, a dança e a música surgem como esperança para arrebentar de vez
correntes que aprisionam quem um dia cometeu um erro na vida mas sonha
com o recomeço.
O juiz das Execuções Penais da Comarca de Campina Grande, Fernando
Brasilino revelou que dentro do presídio existem muitos detentos com
talentos que manifestam nas artes o desejo de liberdade e de
reintegração a sociedade.
Severino Lopes
PBAgora
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